A proliferação do discurso de ódio tem se intensificado nos últimos anos e resultado em mortes, violência, graves hostilidades e riscos para a democracia. Nesse contexto, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania tem se empenhado desde o início do ano de 2023 a promover medidas de enfrentamento ao discurso de ódio e ao extremismo, o que resultou na criação de Grupo de Trabalho (GT) com esta temática formado por membros da sociedade civil e de diversas instituições do governo federal, cuja presidência foi atribuída a Manuela d’Avila, e a relatoria a mim.
O GT produziu um relatório de autoria coletiva no qual se define que: “O discurso de ódio envolve a progressão, intensificação ou sobreposição de violações que partem de uma estratégia de poder pela agressividade, hostilidade, opressão, intolerância e abjeção de pessoas ou comunidades e evoluem, no conteúdo e na forma, para um polo de extremismo discursivo caracterizado pela desumanização do seu objeto e coletivização de seu destinatário”. Tal conceito alinha-se com a definição apresentada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que tem intensificado ações de enfrentamento ao discurso de ódio nos últimos anos.
Conforme apontado pelo relatório, há no Brasil grupos que têm sido vítimas sistemáticas do discurso de ódio, dentre os quais se destacam: mulheres, negros, indígenas, pessoas LGBTQIA+, estrangeiros (sobretudo da América Latina, África e Ásia), nacionais das regiões Norte e Nordeste, pessoas pobres, idosas e com deficiência. Além disso, são alvos recorrentes membros de agremiações religiosas, sobretudo as de matriz africana, e profissionais que atuam na área de jornalismo, educação e pesquisa científica. O relatório aponta ainda que a lógica do ódio tem relação com os recentes atentados ocorridos em escolas, a violência política, as ações antidemocráticas e a ascensão do neonazismo.
No documento, as diversas medidas de enfrentamento propostas foram agrupadas em subtemas que envolvem: educação e cultura em direitos humanos; internet segura, educação midiática e comunicação popular e comunitária; proteção e reparação às vítimas; dados e pesquisas para subsidiar as ações e as políticas públicas; boas práticas para jornalistas e comunicadores. A partir desse conjunto, o Ministério distribuiu às suas respectivas secretarias atribuições com o objetivo de concretizar as medidas presentes no relatório.
É importante destacar que é insuficiente e contraproducente limitar o enfrentamento ao discurso de ódio à mera repressão de indivíduos que o promovem. Uma estratégia eficaz deve combinar um conjunto amplo de medidas interministeriais articuladas com diversos setores da sociedade civil, inclusive as grandes empresas transnacionais de tecnologia que controlam redes sociais e outros espaços análogos na internet, uma vez que o discurso de ódio tem se organizado e se espraiado nesses ambientes. Essas são algumas razões que evidenciam ser inevitável um tempo de maturação para as medidas propostas.
Apesar de todos os desafios e etapas necessárias para desenvolver as medidas apresentadas no relatório do GT, algumas já estão ocorrendo ou próximas de se concretizar. No campo da comunicação e educação, destacamos as seguintes: divulgação dos principais pontos do relatório acima referido, com as recomendações para o enfrentamento ao discurso de ódio e ao extremismo; promoção de campanha nacional de comunicação com o mote “Ódio ou Opinião”, com o objetivo de diferenciar episódios de discurso de ódio do exercício lícito do direito de opinião; criação de um “Pacto Nacional de Enfrentamento ao Discurso de Ódio” com a participação de instituições públicas e privadas relevantes; criação de materiais específicos de educação em direitos humanos sobre discurso de ódio; realização de eventos internacionais no Brasil e no exterior abordando essa temática.
Políticas públicas podem contribuir para um ambiente de paz, tolerância e convivência harmônica na sociedade e é nesse sentido que o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania encontra-se atuando no momento, sempre aberto às contribuições que podem vir de agentes públicos e privados.
Por Camilo Onoda Caldas Advogado, pós-doutor em democracia e direitos humanos pela Universidade de Coimbra e relator do Grupo de Trabalho para apresentação de estratégias de enfrentamento ao discurso de ódio e ao extremismo do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.